sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Inocência em Technicolor

Ela era, literalmente, 'a menina da porta ao lado', éramos vizinhos e ela ainda uma menina. Não me recordo que idade teríamos na altura, talvez uns 11 ou 12 anos, penso, e fomos, imagine-se, jogar sozinhos ao 'bate-pé' lá para a sua casa.

Já não me recordo muito bem por que regras se coze o jogo, mas em abono da verdade também pouco ligávamos a esses pormenores. Depois de descobrir o potencial daquela brincadeira passámos semanas no seu exercício, mas a nossa experiência e tenra idade conferia-nos arrojo equivalente e, invariavelmente, não íamos muito para além de uns beijinhos, de nos mostrarmos, ou de nos deixarmos tocar mutuamente.

Do quarto onde tudo se desenrolava já só me lembro dos pequenos detalhes, do mesclado pardo da alcatifa onde por vezes nos ajoelhávamos, do sorriso dela num seu retrato pintado a pastel a pender sobre a cama, da cor de mel do mobiliário e da cadeira forrada a napa preta, onde ela, sentada, de pernas abertas, me mostrava o mundo num misto de provocação e expectativa. E depois havia a luz que inundava naquelas tardes o quarto dela, uma luz intensa e meio opaca, que saturava as cores à nossa volta, como se figurássemos numa daquelas fotografias antigas a cores reveladas num processo Technicolor.



Será que a luz com que pinto aquelas tardes existiria verdadeiramente? Ou será apenas um artifício do meu inconsciente a distorcer-me a memória sublimando a luz imprimida pela inocência dos momentos! Sim, porque éramos apenas duas crianças a articular a sua candura e curiosidade pela magia que afinal o nosso corpo carregava.

Houve um dia, no entanto, em que em plena laboração lúdica, fomos apanhados pela empregada que trabalhava lá na sua casa. Ela de saia subida, eu de pila de fora! A mulher gritava connosco como se estivesse ofendida, e que contava ao pai dela, e que se não tínhamos vergonha. Eu tive, tanto que fugi literalmente daquele quarto que de repente se fez sombrio e, durante uma semana, sempre que batiam à porta lá de casa apertava-se-me o coração a pensar que era desta que o seu pai me vinha pedir explicações.

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