terça-feira, 14 de abril de 2009

Doce Balanço

Do outro lado da duna senti soprar uma voz; redonda, fina, docinha como uma maçã, a trautear sílabas no mesmo ritmo do balanço da cortina de armérias e estorno que nos separavam.

Foto de Rita Lino (?)

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sonhos fáceis que o corpo satisfeito nos faz chegar

"Dalí a la edad de seis años, cuando creía que era una niña, levantando la piel del agua para ver un perro dormido a la sonbra del Mar", Salvador Dalí


Com a maior das delicadezas fecho a porta atrás de mim. Não a quero acordar, incomodar-lhe o desmaio a que se rendeu ou os sonhos fáceis que o corpo satisfeito lhe faz chegar. Deslizo para fora do quarto em surdina e encerro ali o aroma a sexo que ainda paira no ar.

Começo a gostar desta casa, a dos seus pais, ou dela própria, porque foi cá que cresceu, já não lhe vejo só paredes e móveis e livros esquecidos nas estantes.

Já me contam, os pormenores, que o tempo lhe passou por cima.

A carpete, pisada, íntima, cansada, já me confessa como antes abafou pés descalços de meninas em corrida. Que houve ali um pai que chamou e infâncias que como as outras se desenharam em passos apressados.

Recados esquecidos (?), espalhados num acaso que só a realidade consegue reproduzir, mantêm presente o rigor de outrora de uma mãe carinhosa. Há livros marcados e tacos soltos, cheiro a despensa e torneiras a pingar, já não é só paredes… mas, agora, que vou às cegas no corredor à procura do interruptor da casa de banho, era o que me convinha. Com o rabo nu, perseguido pela ponta húmida do focinho da cadela curiosa, apresso-me contra a mobília e derrubo as molduras das fotografias antigas de família. Aos apalpões, encontro finalmente o botão que procuro, enxoto a bicha, carinhoso, e refugio-me dela fechando a porta.

De mãos apoiadas na bancada do lavatório respiro para o espelho. Olho-me nos olhos e tento-me situar naquela realidade emprestada. Mantenho o olhar fixo (e por necessidade o respirar), desafio-o, questiono-lhe a integridade e vejo se por algum momento desvia o olhar – não desvia, sacana, assume mesmo que tudo isto lhe é uma possibilidade!

Ao lado do lavatório repousa um pequeno galho cortado com uma flor meio murcha na ponta. Reconheço-o! Há duas ou três semanas atrás, enquanto esperava por ela, num dia em que lhe sabia terem as coisas corrido mal, quebrei-o de um arbusto na rua para lho oferecer.