quinta-feira, 2 de julho de 2009

Empata



Tenho um certo prazer em atrasar-te com mimos quando te tentas despachar rápido de manhã. Entre as calças e a blusa abraço-me a ti feito empecilho e tu

- Vá lá, deixa-me vestir!

mas não seguras um sorriso e o sorriso alimenta-me a malandrice

- Hoje vou ser eu a tua blusa, vais-me levar assim vestido

imitando no abraço a peça de roupa.

- Se eu me mantiver quietinho tenho a certeza que ninguém vai notar. Basta que de vez enquando me puxes uma alça ou me alises os vincos para disfarçar.

Agora ris, dás-me corda para embalar, mesmo que te contradigas em “vás” e “larga-me lás”.

- Promete só que não me pões nódoas que eu garanto-te aconchego no teu dia.

- Parvo! – e beijas-me!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Actus contritionis #1

Fotografias de Nobuyoshi Araki, série "flowers-bondage"

Aparece assim na Wikipedia: "Pornografia é a representação, por quaisquer meios, de cenas ou objectos obscenos destinados a serem apresentados a um público e também expor práticas sexuais diversas, com o fim de instigar a líbido do observador."

Mesmo apresentado assim de forma tão concreta, a pornografia é um conceito muito subjectivo, logo à partida porque todos os conceitos envolvidos na sua definição são igualmente de fronteiras muito ténues e dados a múltiplas interpretações pessoais; O conceito de obscenidade, por exemplo, remete para a falta de decência, para o pudor, e estes para a dignidade e para o respeito de si mesmo e dos outros.

Eu que até me tenho como um gajo assim meio solto e descomplicado, que não se choca com facilidade, sempre achei curiosa a forma como alguns impõem estas divisórias e como algumas pequenas coisas, por vezes sem qualquer importância, metem logo uma beata mais incauta a benzer-se.

E nessa óptica, de colocar as devotas a rezar actos de contrição, resolvi expor aqui algumas dessas insignificâncias que tanto aprecio. A começar por este trecho lindo do Chico Buarque do seu livro Budapeste:

Fotografia de Nobuyoshi Araki

«Kriska se despiu inesperadamente, e eu nunca tinha visto corpo tão branco em minha vida. Era tão branca toda a sua pele que eu não saberia como pegá-la, onde instalar as minhas mãos. Branca, branca, branca, eu dizia, bela, bela, bela, era pobre o meu vocabulário. Depois de contemplá-la um tanto, desejei apenas roçar seus seios, seus pequenos mamilos rosados, mas eu ainda não tinha aprendido a pedir as coisas. Nem ousaria dar um passo sem o seu consentimento, sendo Kriska uma amante da disciplina. Nas primeiras aulas me fazia passar sede, porque eu falava água, água, água, sem acertar a prosódia. Os pães de abóbora, um dia trouxe à sala uma fornada deles, passou-os fumegantes sob o meu nariz e jogou tudo fora, porque eu não soube denominá-los. Mas antes de fixar e de pronunciar direito as palavras de um idioma, é claro que a gente já começa a distingui-las, capta seu sentido: mesa, café, telefone, distraída, amarelo, suspirar, espaguete à bolonhesa, janela, peteca, alegria, um, dois, três, nove, dez, música, vinho, vestido de algodão, cócegas, maluco, e um dia descobri que Kriska gostava de ser beijada no cangote. Aí ela tirou pela cabeça o vestido tipo maria-mijona, não tinha nada por baixo, e fiquei desnorteado com tamanha brancura. Por um segundo imaginei que ela não fosse uma mulher para se tocar aqui ou ali, mas que me desafiasse a tocar de uma só vez a pele inteira. Até receei que naquele segundo ela dissesse: me possui, me faz o amor, me come, me fode, me estraçalha, como será que as húngaras dizem essas coisas? Mas ela ficou quieta, o olhar perdido, não sei se comovida pelo meu olhar passeando no seu corpo, ou pelo meu falar pausado no idioma dela, branca, bela, bela, branca, branca, bela, branca. E eu também me comovia, sabendo que em breve conheceria suas intimidades e, com igual ou maior volúpia, o nome delas.»

terça-feira, 14 de abril de 2009

Doce Balanço

Do outro lado da duna senti soprar uma voz; redonda, fina, docinha como uma maçã, a trautear sílabas no mesmo ritmo do balanço da cortina de armérias e estorno que nos separavam.

Foto de Rita Lino (?)

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sonhos fáceis que o corpo satisfeito nos faz chegar

"Dalí a la edad de seis años, cuando creía que era una niña, levantando la piel del agua para ver un perro dormido a la sonbra del Mar", Salvador Dalí


Com a maior das delicadezas fecho a porta atrás de mim. Não a quero acordar, incomodar-lhe o desmaio a que se rendeu ou os sonhos fáceis que o corpo satisfeito lhe faz chegar. Deslizo para fora do quarto em surdina e encerro ali o aroma a sexo que ainda paira no ar.

Começo a gostar desta casa, a dos seus pais, ou dela própria, porque foi cá que cresceu, já não lhe vejo só paredes e móveis e livros esquecidos nas estantes.

Já me contam, os pormenores, que o tempo lhe passou por cima.

A carpete, pisada, íntima, cansada, já me confessa como antes abafou pés descalços de meninas em corrida. Que houve ali um pai que chamou e infâncias que como as outras se desenharam em passos apressados.

Recados esquecidos (?), espalhados num acaso que só a realidade consegue reproduzir, mantêm presente o rigor de outrora de uma mãe carinhosa. Há livros marcados e tacos soltos, cheiro a despensa e torneiras a pingar, já não é só paredes… mas, agora, que vou às cegas no corredor à procura do interruptor da casa de banho, era o que me convinha. Com o rabo nu, perseguido pela ponta húmida do focinho da cadela curiosa, apresso-me contra a mobília e derrubo as molduras das fotografias antigas de família. Aos apalpões, encontro finalmente o botão que procuro, enxoto a bicha, carinhoso, e refugio-me dela fechando a porta.

De mãos apoiadas na bancada do lavatório respiro para o espelho. Olho-me nos olhos e tento-me situar naquela realidade emprestada. Mantenho o olhar fixo (e por necessidade o respirar), desafio-o, questiono-lhe a integridade e vejo se por algum momento desvia o olhar – não desvia, sacana, assume mesmo que tudo isto lhe é uma possibilidade!

Ao lado do lavatório repousa um pequeno galho cortado com uma flor meio murcha na ponta. Reconheço-o! Há duas ou três semanas atrás, enquanto esperava por ela, num dia em que lhe sabia terem as coisas corrido mal, quebrei-o de um arbusto na rua para lho oferecer.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Tango da primeira experiência de amor!



Era repentino o puxar que nos esquivava para lá do olhar dos candeeiros, uma incógnita irrelevante a mão que arrastava – a tua, a minha? – ou o amor cego que embrenhava o outro sob o escuro, também cego, dos ramos da figueira.

Em passos de dança aflitos, na urgência de nos termos, quebravam-se galhos e o silêncio no ajeitar de pernas e corpos. A Lua espreitava, curiosa, reanimando involuntariamente as sombras das folhas e dos figos maduros, prestes a rebentar, perfumados, que suspensos nos braços da figueira lhe atraiçoavam a percepção. Era o ombro a ser beijado? A mama gulosa a soltar-se-te do vestido amarfanhado? O peito meu ou teu a percutir desgovernado?

Depois subias em mim… todo eu tronco de árvore, toda tu perfume, prestes a rebentar... e eu, deslumbrado, a chamar-te um figo!

quinta-feira, 12 de março de 2009

Provocação Cristalizada



Connosco as palavras sempre foram como cerejas e porque nos rendíamos à vontade de conservar o gosto doce na boca era nos sempre difícil pôr termo a uma conversa.

Nessa noite já se fazia tarde e de quando em vez, de forma retórica, dizias que te tinhas de ir deitar, que te tinhas de levantar cedo no dia seguinte, da mesma forma, também eu te respondia que não te queria prender, que me ia já-já embora, mas no atropelo de cada despedida surgia sempre mais qualquer assunto para te aprisionar, para te deixar enlevar na doçura de mais uma frase.

A custo lá conseguimos impor um ponto final, foste para o teu quarto e eu voltei para o pé dos nossos amigos com quem partilhavas a casa.

Agora já não te atiravas a mim, já não me provocavas como dantes, quando eu tinha namorada e tu eras descomprometida. Agora eras tu quem tinha arranjado rapaz, que te iludias nas suas maneiras delicadas, nos jantares pagos em restaurantes de luxo e nos passeios de fim de semana no seu jipe despesista.

Mas não amavas! Não sentias fulgor quando ele te olhava, nem fome quando o tocavas, não lhe passavas a mão pelo cabelo, nem lho puxavas possuída... Só gostavas dele. Muito possivelmente era a relação que te convinha - sem paixão mantinhas-te serena. A meu ver, era apenas uma serenidade bacoca, uma relação muda e desprovida do sabor doce das cerejas, sem vocábulos e termos que te exaltassem pelos dias.

A mim contavas-me essas coisas. Entre nós havia sempre uma confissão, uma ideia ou preocupação para contar, uma arrelia, história de sexo ou romance para a troca. Nada mais se passava, , era assim que nos relacionávamos, eu mexia contigo e tu comigo, aliás, na minha cabeça, mesmo agora, ainda me ecoava um dos teus argumentos finais da nossa conversa de há bocado, um daqueles a que não te quis responder para ires descansar.

Num impulso, não me contendo, talvez por querer ser eu a ditar a última palavra, voltei para trás.

Bati à porta e não respondeste, chamei o teu nome e ainda assim nada. Tinham passado não mais do que dois, três minutos, e tinha a certeza que não estarias já a dormir. Entreabri a porta repetindo o teu nome, perguntando se podia entrar. Na cama fingias dormir, penso até que ainda te vi apagar a luz.

Não sei o que me fez entrar, certamente não foi pelo que te tinha a dizer, que não tinha qualquer importância. Acho que simplesmente te achei piada, a ti e à forma como me evitavas a mim e a mais conversa. Deves ter pensado que, vendo-te deitada, eu daria meia volta, mas eu fiz exactamente o contrário.

Estavas de barriga para baixo e de cara virada para o lado contrário ao daquele de onde eu entrava. Tapava-te só um lençol, que te cobrindo o corpo ainda assim o revelava ondulando à mercê das tuas curvas. Aproximei-me e sentei-me no espaço que ainda sobrava ao teu lado na cama.

Toquei-te ao de leve e insisti no teu nome, mas tu optaste pelo silêncio. Quase me levantei para sair do teu quarto, mas aquela proximidade, aquela situação, criou-me demasiado peso nas pernas, e foi então que vi abrir a minha mão sobre as tuas costas! Podia jurar que não era eu que lhe dava voz de comando, eu apenas olhava... perplexo com a minha ousadia!

Sentindo-te o calor tomei consciência que aquele era de facto o meu gesto. Era aquela a minha mão que desenhava lentamente o teu dorso, segredando-me, ao longo do percurso que tomava, o quanto eras quente, quanto media a consistência do teu corpo e o quanto te sentia vibrar debaixo da pele.

Percorri-te de forma ligeira e mão aberta com a ponta dos meus cinco dedos até à curva do fundo das tuas costas, a que das mulheres sempre mais fascínio me produz. Assentei depois com maior firmeza e contacto e segui apreciando com deleite a subida até ao cimo do teu rabo. Não te manifestaste, permaneceste sossegada, apenas a respirar. Sempre achei que o teu rabo era o mais bonito que alguma vez tinha visto, agora sabia também que era o mais agradável ao toque.

Antes de me levantar, ainda deixei que a mão me seguisse o dedo médio até ele te tocar entre as pernas, comprovando que era falsa a tua imobilidade, que era falso o teu silêncio, que com aquele simples contacto te tinha encharcado o corpo.

Ainda hoje não entendo por inteiro este episódio, não percebo o que me levou a tocar-te e muito menos à reacção de te deixar depois de o fazer. Talvez tenha sido para me sentir vingado das tuas penosas provocações, mas muito mais provavelmente para manter cristalizada a delícia das nossas palavras.

terça-feira, 10 de março de 2009

Cem Mimos


Eu não sei dar mimos,
nem nos meus braços
se cria o conforto
de um abraço.

Não sei deixar leves os dedos,
nem acertar-lhes o peso
para sem atrito
se passearem na pele.

Sou incerto no toque
pouco firme de mãos.

E será fortuito,
obra do acaso,
se um sopro se assomar
ao limiar dos teus cabelos
e se a pele, aí,
te arrepiar.
Será apenas por estar tão perto,
será apenas um respirar.

Porque como já disse,
eu não sei mimar!


Pintura de Audrey Kawasaki